A implantação de políticas públicas no contexto das doenças raras

O Dia Mundial das Doenças Raras é celebrado todo ano no último dia de fevereiro, sendo dia 28 nos anos regulares e 29, nos bissextos. A data foi criada para conscientizar a população sobre diversas doenças que, ainda que raras, afetam diversas pessoas pelo mundo.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são consideradas raras as doenças que afetam 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Cerca de 7 mil doenças são classificadas nesse grupo, como esclerose múltipla e síndrome de Guillain-Barré, sendo a maioria de origem genética e sem cura, mas com tratamentos. Em muitos casos, as crianças não são diagnosticadas e morrem antes dos cinco anos de idade. O diferencial na qualidade de vida das pessoas que possuem alguma doença rara se dá por meio do diagnóstico precoce.


Um grande avanço nessa área foi conquistado com a aprovação da Lei nº14.154/2021, que amplia o teste do pezinho no Sistema Único de Saúde (SUS) para o rastreamento de 50 doenças. Dessa forma, a população terá maior acesso à informação sobre essas doenças e poderá trata-las de forma adequada, evitando muitas complicações e mortes prematuras.


O Comitê Jovem RIG e o Comitê de Saúde da Abrig conversaram com representantes tanto da área de saúde quanto de políticas públicas acerca do tema de doenças raras. Confira as entrevistas:


1. Como a implementação de políticas públicas para Doenças Raras impactou o setor de atuação? 


Têmis Felix*: Desde a publicação da Portaria 199/2014, que aprova Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio, houve um grande avanço na política de defesa de doenças raras no Brasil. Neste tempo, 19 serviços de referência em doenças raras foram habilitados no Brasil. Entretanto, estes serviços estão sendo oferecidos em capitais, isso é um problema, e a prestação de serviços ainda está concentrada nas regiões Sul e Sudeste e em alguns centros na região Nordeste. 


Paulo Meyer e Vilson Andrade**: Percebemos no decorrer da nossa atuação em Assessoria dos Direitos da Pessoa com Deficiência a relação próxima que existe entre doenças raras e algumas deficiências, não tão somente pelo fato de que muitas doenças raras se derivam de uma deficiência genética, mas também pela luta consistente em relação a busca de direitos e qualidade de vida. Devido a essa relação, as políticas públicas voltadas a disseminação de informações sobre essas doenças têm impacto muito grande na nossa gestão. A difusão de conhecimento é fundamental para o tratamento dessas doenças, a fim de levar qualidade de vida para as pessoas afetadas.


2. Qual área das doenças raras precisa de mais atenção? 


Têmis Felix: Todas as doenças raras necessitam de atenção, por isso, não deve ser concentrada em doença rara A, B ou C ou uma área de atuação. Todas são doenças raras, complexas e que necessitam de políticas públicas para diagnóstico, pesquisa e manejo para encaminhamento para serviços primários. Apenas 5% das doenças raras têm tratamento. Até o momento, temos mais de 7 mil doenças raras diagnosticadas, que individualmente são raras, mas no seu conjunto são prevalentes na população, gerando um grande impacto no sistema de saúde. 


Paulo Meyer e Vilson Andrade: Entendemos que é uma luta constante a busca pelos direitos das pessoas com doenças raras, isso passa pelo avanço de pesquisas, a difusão de conhecimento e o acesso a medicamentos. Apesar de existir uma política nacional de atenção a pessoas com doenças raras, acreditamos que ainda falta muito para que ela seja efetiva.


3. Qual é a expectativa para os próximos anos na atenção da patologia de doenças raras?


Têmis Felix: A expectativa é que mais serviços de referência sejam habilitados no Brasil e que eles diminuam o tempo de espera para o atendimento de um serviço especializado. Temos o conhecimento de que as doenças raras demoram anos para concluir o diagnóstico. Outra expectativa é a distribuição nacional dos serviços especializados, não apenas nos grandes centros, mas também no interior do Brasil, para diminuir a jornada de fechamento do diagnóstico, proporcionar para a população um diagnóstico precoce de doenças raras e a disponibilidade de tratamento. 


Paulo Meyer e Vilson Andrade: Acreditamos que a aprovação da Lei nº 14.154/2021, que ampliou o rastreamento de doenças de recém-nascidos, o famoso teste do pezinho, foi fundamental. Apesar de sua ampliação por etapas, ele será fundamental para um diagnóstico precoce, gerando impacto em relação a qualidade de vida e tratamento de muitas pessoas. O teste vai passar de 6 para 50 doenças rastreadas.



*Têmis Felix é médica geneticista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica.


**Paulo Meyer é assessor dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Vilson Andrade é analista de políticas públicas. Ambos são responsáveis pela Assessoria dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Cidade de Rio Claro/SP.



** Os artigos/entrevistas publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.