Quais são os dispositivos que devem estar presentes no PL 2.914/2022 para que a atividade de RIG seja regulamentada de forma isonômica e transparente?
Autora: Gabriela Santiago Borges
A atividade de RIG
Os conflitos de interesse são inerentes ao sistema democrático. Na maioria das políticas públicas, enquanto um grupo ganha o outro perde, nas mais distintas políticas: ambiental, social, econômica, tributária, energética, minerária, entre outras. Nesse contexto, a defesa de interesses seja em qual sentido for – respeitando os limites legais – é democrática e deve ser respeitada pelos diferentes grupos, uma vez que a democracia pressupõe a participação direta e indireta do povo, não apenas no momento eleitoral.
A atividade de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) surge nesse contexto. Tratam-se de profissionais que compreendem a lógica de funcionamento do estado, tanto do legislativo e executivo quanto do judiciário, assim como as regras do jogo de cada um desses poderes, a exemplo dos regimentos internos.
Desse modo, há uma prestação de serviço desses profissionais em auxiliar pessoas físicas ou jurídicas a influenciar tomadores de decisão (secretários, ministros, senadores, deputados, prefeitos, governadores, desembargadores, juízes) a decidir de forma favorável a determinado grupo – podendo ser uma medida ofensiva, para mudança do status quo, ou defensiva, para que se mantenha o status quo. Essa atividade mostra-se essencial no contexto democrático brasileiro e é respaldada na Constituição de 1988 por meio do direito de petição previsto no art. 5º.
Todavia, para que seja assegurada a isonomia, a igualdade de oportunidades e a transparência – princípios constitucionais –, é preciso que essa atividade seja regulamentada. Caso determinado grupo solicite uma agenda com um agente público, o agendamento desta reunião deve ser divulgado, assim como os nomes e cargos de todos os envolvidos, a pauta do encontro e o resultado. Essa iniciativa permite que o grupo com interesses contrários ao primeiro tenha conhecimento da reunião e possa, da mesma forma, marcar uma agenda com o mesmo agente público com o intuito de defender outros interesses.
Outra medida essencial na regulamentação da atividade é que os profissionais sejam cadastrados. Dessa forma, qualquer pessoa pode consultar e acessar a lista de quem está intermediando interesses, o que torna a responsabilização por atos irregulares ou ilegais mais fácil.
Insta ressaltar que, apesar de ainda não existir uma lei que regulamente a atividade de RIG, já há normas que estabelecem limites éticos e criminais para a atuação entre agentes privados e o poder público. No Código Penal, tem-se a previsão do tipo penal de tráfico de influência, advocacia administrativa, prevaricação e corrupção. Também encontram-se limites na Lei de Conflito de Interesses, Lei nº 12.813/2013, e no Decreto nº 10.889/2021, que veda a todo agente público do Poder Executivo federal receber presente de quem tenha interesse em decisão sua ou de colegiado do qual participe.
Não há ilegalidade em defender interesses perante a Administração Pública, pelo contrário. Como demonstrado anteriormente, essa atividade é respaldada pela Constituição e integra a razão de ser da democracia ao legitimar diferentes pontos de vista. Todavia, a decisão final sobre uma política deve ser do poder público, sem pressões, dinheiro ou poder envolvidos na relação público-privado.
Desse modo, tendo em vista que já existem limites legais no exercício da relação entre público e privado, a regulamentação da atividade de RIG, por meio de lei própria, deve focar na publicização de reuniões e documentos, assim como no cadastramento dos profissionais, com o objetivo de atender aos princípios da transparência e da isonomia, mitigando ilicitudes. Esse tem sido o objeto dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Porém, ainda são necessários ajustes na redação do Projeto de Lei (PL) 2.914/2022, que tramita no Senado Federal.